sexta-feira, 3 de junho de 2011

Brizola, o mito por Jurandir Machado da Silva

Por que resolvi pesquisar sobre a Legalidade? Para sentir o cheiro de uma época especial, o começo dos anos 1960. Queria acompanhar a trajetória de Leonel Brizola, o último mito gaúcho. Estou cada vez mais convencido de que os grandes heróis do Rio Grande do Sul não pertencem ao século XIX, mas ao XX: Getúlio Vargas, João Goulart e Leonel Brizola. O século XIX tentou tirar o Rio Grande do Sul do Brasil. O século XX fez do Rio Grande do Sul uma locomotiva do Brasil, um instrumento de solidificação da identidade nacional e, com todas as contradições possíveis, um mecanismo de reforma social, de incorporação dos excluídos e de edificação de um novo país. De Getúlio a Brizola, não paramos de dar saltos.

Tenho estudado o Brasil do século XX no detalhe. Escrever "Getúlio" e "1930: Águas da Revolução" me deu uma visão minuciosa dos nossos paradoxos, avanços, recuos, limites e entraves. Atrevo-me a dizer que Leonel Brizola foi o melhor governador da história do Rio Grande do Sul, o mais ousado, mais consistente e mais reformista, o homem que teve, se me permitem a expressão tão usada em nossos "pagos", "colhões" para encampar a companhia de energia elétrica, pertencente a Bond and Share, e a empresa de telefones, filial da ITT, dando-lhes uma banana e um simbólico cruzeiro de indenização. Esse mesmo Brizola que fez a primeira reforma agrária vitoriosa do Estado, no Banhado do Colégio, em Camaquã, façanha que completará 50 anos em 27 de julho de 2012. Tudo isso é sabido. Eu queria entender a formação dessa personalidade complexa, apaixonada, destemida e única.

Getúlio foi o produto de um enigma, a inteligência estratégica e misteriosa, o fazendeiro que frustrou os seus pares e, apesar dos anos tristes da sua ditadura, o Estado Novo, buscou sempre a modernização do Brasil. Jango, ao contrário do que se diz, jamais foi um fraco, mas, sim, um reformista generoso que queria mudar o Brasil sem derramar sangue e sempre esteve disposto a negociar para evitar o pior, mesmo ao custo de derrotas pessoais. Era um intuitivo e um generoso. Brizola esteve à esquerda de Getúlio e de Jango, um espírito de fogo, o fruto de uma educação, o filho da professora, o menino que cedo viu na escola a mais real e consequente forma de ascensão social para si e, depois, feito homem, para todos. A lista de realizações do governo Brizola rivaliza com o número de títulos acumulados pelo Barcelona nos últimos anos. A Legalidade foi o salto para o mito.

No meu livro, "Vozes da Legalidade", busco entender essa transformação estonteante, digna de um Julien Sorel de Stendhal, do menino que deveria se chamar Itagiba, depois Leonel Itagiba, finalmente, por escolha dele mesmo, só Leonel. Como se produziu a sua disposição para o risco? Como, em 25 de agosto de 1961, quando o louco do Jânio Quadros renunciou, Brizola percebeu que estava diante da História, a história que mudaria a sua vida e atrasaria o Golpe Militar em três anos? É um tempo que se revela, um imaginário, o último grande momento político da era da rádio, antes da hegemonia da televisão e do túnel negro da ditadura nada branda, longa e cruel.

Juremir Machado da Silva | juremir@correiodopovo.com.br

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